Brazilcore, a valorização do nacional e a importância do pensamento crítico

Irônico pensar que usar chinelo, camisa de time e cores da bandeira brasileira - algo tão comum no cotidiano popular do Brasil - seria motivo para matérias, estudo e artigos observando e analisando o surgimento de um novo movimento da moda em um país onde grande maioria da indústria nacional segue um pensamento tão eurocêntrico.

Muito foi dito ao longo das últimas semanas sobre o Brazilcore, título dado à nova tendência de moda popularizada nas redes sociais, onde utilizar as cores e símbolos representativos do Brasil ganhou relevância. As primeiras aparições de menções a esse movimento surgiram principalmente na CPFW, semana de moda `fora de época' conhecida por trazer novas abordagens e estéticas ao circuito tradicional de moda. Pois então, as cores verde e amarelo foram aparecendo gradativamente nas ruas da capital dinamarquesa e logo, diversos influenciadores de moda - principalmente no TikTok - embarcaram na tendência e fizeram esse movimento ganhar notoriedade, assim como, diversos questionamentos.

Brasil com 'Z'

Até meados da última década, utilizar as cores da bandeira Brasileira era tido como algo festivo diretamente ligado ao futebol, principalmente à seleção brasileira. Tal fato corrobora com a popularidade que a camisa principal da CBF e suas cores principais vem ganhando como "fashion" no mundo e no Brasil. No entanto, será que essa estética só foi surgir esse ano?

Camisas de time e o chamado "Sportstyle", além de outros estilos, por exemplo, estão presentes há muito tempo nas periferias, tanto do Brasil, quanto no mundo. Isso já é realidade há um bom tempo e inclusive se faz presente no cotidiano da grande maioria dos brasileiros. Então porque quando pessoas de fora começam a utilizar dessa estética acaba virando tendência e algo fashion, quando, anteriormente, essa forma de expressão era vista estritamente como periférica ,e, consequentemente, tratada com preconceito? 

Não podemos ser ingênuos e achar que a indústria da moda nacional pode se desprender das tendências globais e dos movimentos das grandes casas tradicionais do mercado. Há um enorme caminho a percorrer e é normal se pairar nos movimentos e tendências de fora para assim atrair o público brasileiro - é natural e óbvio. Em uma sociedade digitalizada e na era das redes sociais, é normal que as pessoas queiram estar a par do que vem acontecendo no mundo e queiram estar incluídas nesses movimentos. Porém, isso não quer dizer que devemos ser acríticos e ignorar a nossa própria cultura, agindo sob uma ótica eurocêntrica que não nos ensina nada, e ainda por cima, despolitiza.

Tirando a poeira da Amarelinha

Apossada por movimentos de apoio ao atual governo - e a toda uma ideologia dominante - as cores verde e amarelo foram, ao longo dos anos, desassociadas da seleção brasileira, do futebol e claro, do próprio povo brasileiro. Dessa forma, infelizmente, acabaram tomando essa conotação política. Sendo assim, mesmo em um ano de eleições tão catártico, será que podemos voltar a nos sentir confortáveis utilizando as cores da nossa nação? A copa do mundo está chegando, e utilizar as cores da seleção brasileira nessa época nunca se tornou algo tão emblemático. 

A Nike, fornecedora oficial da seleção, lançou ao público os uniformes que serão utilizados na copa do mundo no Qatar. Na campanha da coleção, o direcionamento foi de resgatar o significado e despolitizar a camisa. Mas será que todo esse movimento de salvação da simbólica camisa da CBF e das cores verde e amarelo é suficiente para resgatar o orgulho do povo brasileiro no uso das vestimentas? 

De acordo com Pedro Zemel, CEO do grupo SBF, dono da distribuição da marca Nike no Brasil e da rede de varejo Centauro, o cenário de vendas para o final de ano é bastante otimista por conta da copa do mundo. 

Brazilcore: A valorização do produto nacional

Fato é, em um país tão envolvido nas redes sociais como o Brasil, é praticamente impossível não ser atingindo por novidades e supostas tendências tanto pelas próprias redes sociais e consequentemente, pessoas do próprio círculo social, quanto pelas ofertas de novos produtos provenientes desses movimentos através das grandes marcas do varejo de moda, principalmente.

O grande cerne da questão é: O movimento do Brazilcore se pauta pela impressão de que o país está sendo valorizado por conta de alguns europeus de olhos claros, que resolveram usar símbolos e vestimentas que já faziam parte da sociedade brasileira há tempo, onde, em momentos fora da época de copa do mundo ou jogos de futebol, eram mal vistos e em grande parte rechaçados como movimento urbano e cultural de moda, por fazer parte, majoritariamente, de uma cultura popular e periférica.

Devemos atrair o público brasileiro para dentro do debate e dos questionamentos. Há uma gama enorme de movimentos culturais ligados à moda que perduram no país e que são poucos falados e raramente postos ao patamar de uma tendência. O ambiente de discussão ao assunto não deve se abster de manter um radar das grandes novidades e no que está rolando lá fora, mas sim, começar a tratar as manifestações e produtos brasileiros de forma respeitosa, e claro, com orgulho.

Marcas como a Misci, do designer mato-grossense Airon Martin, por exemplo, que atua no mercado de luxo com uma proposta de trazer o Brasil em suas coleções e todo o  processo criativo, tem papel fundamental nesse resgate da identidade brasileira. Desde seu início, a Misci tem como norte, não só a valorização das simbologias nacionais, mas como a valorização de toda uma indústria nacional, desde os processos de fábrica e cadeia de produção bem remunerada até a comunicação. 

A valorização do produto nacional e da cultura brasileira deve ser incentivada e levada adiante porque reverbera em toda uma cadeia produtiva que se valorizada, alavanca todo o mercado nacional. Deve-se diminuir o abismo cultural projetado na cabeça do público de que o popular não pode estar na moda ou ser fashion. Marcas como a Class e Captive, são um dos exemplos de como manifestações culturais - nesse caso a manifestação urbana periférica de rua - ilustrada em suas coleções que abrangem o universo do streetwear e do skate, pode preencher esse espaço no cenário. Sendo assim, é essencial tratar essa cultura popular e marginalizada elevando o status de tendência de moda, sem se prender às estéticas europeias e trazendo simbolismo brasileiro às suas criações.

O Brasil é culturalmente muito rico e bastante diverso, de norte a sul, para nos pautarmos somente sob uma ótica eurocêntrica do que vira tendência ou não por aqui. É preciso observar e aprender com as manifestações culturais do nosso país se quisermos realmente elevar o nível da discussão sobre Brazilcore, independente das eleições ou da copa do mundo.

 


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